Em franca expansão no Brasil, atendimento via robôs ganhará ainda mais relevância no varejo com a atuação humanizada da nova tecnologia
Lucas Torres
A utilização da inteligência artificial (IA) no processo de atendimento do varejo já é uma realidade bastante presente nas empresas do Brasil e do Mundo. De acordo com a Infobip, referência global do universo de chatbots, um a cada quatro consumidores já interagiram com estes mecanismos durante os atendimentos nas lojas, nos e-commerces e nos bancos.
Este número, embora já expressivo, está longe de refletir a curva de crescimento da adoção desta tecnologia. Afinal, a edição de 2022 do tradicional Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots, traçado pela Mobile Time, apontou um aumento de 46,7% na criação de bots desta natureza entre os anos de 2021 e 2022.
As razões para este boom da presença da IA no atendimento são diversas e têm ênfases variadas de segmento para segmento. No varejo, por exemplo – setor que ocupa a segunda colocação no ranking dos que mais demandam esta tecnologia no Brasil, atrás apenas do financeiro, os três principais impulsionadores deste crescimento são: oferta de atendimento mais veloz; disponibilidade para atender 24h por dia; e aumento das conversões de visitas em vendas ou leads qualificados.
Pesquisas como as divulgadas pela Forbes e pela Hubspot ajudam a medir o impacto destas características marcantes do chatbot no comportamento do consumidor. Nelas, chamam atenção o fato dos líderes globais do varejo apontarem um aumento de 67% nas vendas após a implementação da tecnologia e o de 47% dos clientes estarem dispostos a não apenas se relacionarem, mas a concluírem uma compra por meio do chatbot.
Tudo isso que se soube sobre o mercado de chatbots e sua relevância para o varejo mundial até o último trimestre do ano passado, porém, passou a ter de ser reconsiderado e recalibrado por gestores e equipes de TI.
Isso porque em novembro de 2022, a Open AI – empresa que tem Elon Musk como um de seus proprietários – lançou uma ferramenta que promete revolucionar a forma como bots e humanos se relacionam.
Denominado de ChatGPT, este ‘chatbot do futuro’ eleva a utilização da inteligência artificial para atividades comunicacionais para um outro nível. Isso porque, no lugar de responder a questões simples em um pensamento de ‘relação e exclusão’, ela consegue associar uma quantidade imensa de dados para avaliar criticamente perguntas abertas de uma maneira contextualizada e complexa.
Representante mais atual daquilo que os especialistas chamam de ‘Inteligência Artificial Generativa’, esta ferramenta está disponível para testes abertos e já se provou capaz de, quando abastecida com um banco de dados robustos, executar atividades como: conversações em tempo real; redação de textos de blog e postagens para redes sociais; atingir um percentual de acerto de cerca de 70% em provas de excelência nas áreas médica e jurídica; e produzir artigos científicos de alta complexidade.
Questionado sobre o impacto da novidade na aceleração das possibilidades de relacionamento entre chatbots e consumidores no varejo e no aumento da satisfação destes segundos nessas interações (atualmente 43% dos brasileiros afirmam preferirem lidar com humanos em atendimentos online), o líder de Customer Experience da consultoria tecnológica Peers – Luca Fraga, destaca o potencial disruptivo do ChatGPT.
“O ChatGPT traz uma característica de interações livres que é difícil você atingir via programação normal de uma IA. É claro que, para utilizá-lo na empresa, é preciso integrá-lo com a ‘nossa casca’ – ou seja, com a cara que a gente vai dar pra este atendimento. Mas, uma vez feito isso, toda essa ‘humanização da conversa’ que tanto se busca, o ChatGPT já está entregando de largada”, analisou Fraga – antes de complementar com uma análise sobre o efeito desta característica no comportamento do consumidor.
“Ele vai subir muito o nível de exigência do cliente. Aquele tipo de chatbot que trabalha com interações mais simples, nas quais aparecem – ‘financeiro 1, contas 2’, já vai começar a ficar estranho. Afinal, se eu tenho aqui um canal de atendimento que me responde perguntas abertas e interpreta até mesmo uma conversa mais informal, com uso de gírias, porque em uma outra eu vou interagir de uma maneira tão engessada?”.
Vale destacar que, atualmente, o ChatGPT tem tido seu uso praticamente restrito a usuários individuais para fins de experimentação.
Como não podia ser diferente, no entanto, tamanho upside e diferenciação em relação a outros serviços de chatbot já disponíveis no mercado já tem colocado a solução no radar de grandes players do mercado. Recentemente, a equipe de TI da Amazon se debruçou sobre a plataforma da OpenAI e concluiu que ele faz “ótimo trabalho” ao responder perguntas dos consumidores, criar documentos e resolver questões sobre estratégia da companhia.
Chatbot mais humanizado não significa substituição do atendimento feito por humanos
Desde que a inteligência artificial passou a ser utilizada como uma espécie de mão de obra adicional na economia produtiva, trabalhadores e especialistas passaram a expressar suas preocupações quanto à possibilidade de haver uma substituição massiva de mão de obra humana.
Em 2019, por exemplo – um dos relatórios mais completos já produzidos pelo tema, a consultoria McKinsey estimou que até o ano de 2030 entre 40 e 160 milhões de mulheres e 60 e 275 milhões de homens terão de mudar de ocupação por conta do avanço da IA.
Pior do que isso, mais do que uma reconfiguração o mercado de trabalho, a empresa global previu um déficit no saldo de postos de trabalho de 13% ao fim da atual década.
Esta percepção compartilhada por muitos antes mesmo do aparecimento da IA generativa utilizada em escala espalhou um temor em profissionais de diversos segmentos sobre a ameaça do ChatGPT aos seus postos de trabalho.
O debate é longo, mas no que diz respeito estritamente à função de atender o consumidor final, especialistas afirmam que, ainda que ofereça uma interação mais humanizada, o ChatGPT não irá eliminar a necessidade de atendentes humanos no varejo.
Diretor de pré-vendas LATAM da LivePerson, empresa global que atua no desenvolvimento de IA para comunicação entre marcas e clientes, Americo Talarico afirma que a função dos robôs no atendimento seguirá sendo bastante semelhante à atual: complementar e aumentar a assertividade do trabalho desenvolvidos pelos seres humanos.
“Apesar da IA generativa permitir que você consiga responder quase todas as perguntas do usuário com uma eficiência boa, existe ainda uma demanda por um contato personalizado com um humano – principalmente no âmbito da tomada de decisão”, afirmou Talarico – justificando que, na prática, os consumidores tendem a se sentirem mais acolhidos quando estão conversando com uma pessoa e se apoiam nela para tomar decisões entre produtos e pedir indicações.
Segundo o especialista, esta percepção tem feito com que a LivePerson faça uma mescla entre o ‘melhor dos dois mundos’ em suas ofertas de serviços de chatbot.
“Unimos a parte humana dos atendentes – suas capacidades de negociação e recomendação, com a capacidade da IA responder com agilidade aquilo que é mais corriqueiro. Além disso, utilizamos a tecnologia como um auxílio para que o profissional faça um atendimento mais assertivo, munido de informações oferecidas em tempo real pela IA durante a interação com o cliente”, compartilhou Talarico.
Em complemento à visão de Talarico, Luca Fraga indica que essa relação de parceria entre seres humanos e a tecnologia do ChatGPT também deverá ocorrer de maneira inversa. Ou seja, com o humano atuando como suporte para que a IA Generativa desempenhe seu papel com mais eficiência.
Segundo ele, este auxílio humano será fundamental em diversas frentes – indo do treinamento da ferramenta em si até uma espécie de ‘calibragem’ para que ela não infrinja políticas da empresa, provocando crises de reputação.
Sobre a primeira questão, Fraga esclarece que – embora traga uma tecnologia de Inteligência Artificial avançada – o ChatGPT, como outras ferramentas, necessita ser abastecido por um colchão de informações que lhe permita fazer associações lógicas. Em casos de uso médico, por exemplo, a plataforma pode ser abastecida por 15 mil artigos.
Já sobre a questão da calibragem prévia para uso comercial, o especialista destaca que a moderação necessita delimitar os assuntos com os quais a plataforma estará disposta a interagir – apontando temas sensíveis que devem ser evitados por ela em qualquer diálogo.
“Enquanto você está ali brincando na plataforma, no site do OpenAI, é tudo lindo. Você pergunta e o ChatGPT te leva pra qualquer caminho. Mas, profissionalmente, você vai ter que dar um tom para conduzir essa interação com o cliente. Sendo assim, a implementação deve ser muito bem balizada. Você quer colocar essa plataforma aberta, como se fosse um colega conversando? Ok, mas você vai perder a assertividade e correr o risco da conversa ir para um caminho que você não esperava”, analisou Frag – antes de complementar.
“Essa falta de calibragem pode levar à desinformação, a cenários em que o consumidor possa se sentir enrolado e etc”.
Responsabilização do que é dito pelo robô é tema de debate multisetorial
Os danos de reputação que podem advir de uma interação mal feita por um chatbot de tanta complexidade como o ChatGPT são, por si só, motivos para que o setor varejista e empresas de outros segmentos adotem cautela na adoção da plataforma até que ela seja devidamente testada e adaptada à cultura de cada negócio.
Além desta questão, no entanto, outros pontos ainda estão pendentes até que a IA Generativa possa atuar comercial. Um deles é a definição da responsabilização por aquilo que é dito por ferramentas desta natureza e a ética de transparência junto ao consumidor.
Este debate sob a ótica da regulação tem movimentado especialistas ao redor do globo e foi pauta do posicionamento criado pelo WAME (The World Association of Medical Editors), entidade vinculada ao mercado editorial do setor de saúde.
Nas suas análises, os membros do órgãos elegeram quatro recomendações que seriam indispensáveis para criar um ambiente de accountability em torno do ChatGPT. São elas:
- Chatbots não podem ser autores;
- Autores devem ser transparentes quando os chatbots são usados e fornecer informações sobre como eles foram usados;
- Autores são responsáveis pelo trabalho produzido pelo chatbot em seus documentos (incluindo a acurácia do que está apresentado e a ausência de plágio), bem como pela atribuição apropriada de todas as fontes;
- Editores precisam de ferramentas apropriadas para ajudá-los a detectar conteúdos gerados ou alterados por IA e esses ferramentas devem estar disponíveis, independentemente de suas habilidades de pagar por elas.
Aqui no Brasil, especialistas como Americo Talarico, da LivePerson, e Luca Fraga, da Peers, concordam sobre a necessidade de se criar um arcabouço legal para regular a atuação da IA Generativa no Brasil.
“Aqui na nossa empresa, fomos pioneiros neste tema ao criar o site ‘EqualAI’, construído justamente para ajudar a criar essas regulações (…) nele, as pessoas e as empresas podem entrar e oferecer suas contribuições para que, juntos, possamos propor formas de regulação que façam sentido”, refletiu Talarico.
Apesar de concordarem com essa necessidade de balizamento, ambos afirmam, porém, que o atual momento não é o ideal para fazê-lo sob o ponto de vista legal – ao passo que é preciso que desenvolvedores e empresas possam aprimorar o modelo a fim de oferecer uma ideia sobre sua ‘forma definitiva’, antes de ‘reprimir’ inovações por meio de regras prematuramente impostas.
“Se você primeiro pensa em uma regra, você acaba culpabilizando antes de otimizar o processo (…) Começar, portanto, com a regulamentação, antes de encontrar uma adoção correta é um caminho que vai estar invertido. Isso dito, pensando no nosso mercado, não só em termos de erro, mas também de má índole. É preciso encontrar uma forma de responsabilizar o atendimento digital assim como qualquer outro atendimento é responsabilizado hoje”, concluiu Fraga.