Em entrevista exclusiva, Cristiane Cortez fala sobre medidas práticas que podem ser adotadas pelo varejo com pouco investimento
Lucas Torres
Há pouco tempo, quando se ouvia o termo ‘sustentabilidade’, era quase inevitável se refletir quase que estritamente sobre a questão ambiental. A popularização da sigla ESG (Environmental, social and governance), no entanto, já trouxe em seu próprio significado a percepção de que este conceito transcende os limites da preservação do meio ambiente e tem envolvimento direto com a sociedade e a gestão dos processos que regem relações pessoais e profissionais.
Dentro deste contexto, a Fecomércio – que há cerca de 10 anos já possuía o Conselho de Sustentabilidade, decidiu criar o ‘Comitê ESG’ para trabalhar a pauta de uma maneira mais holística junto às empresas dos setores de varejo e serviços.
A virada de chave foi importante. Afinal, por muito tempo os varejistas estiveram na periferia dos discursos do tema devido à pouca relação que possuem com a produção dos produtos e os resíduos e poluentes decorrentes deste processo.
Hoje, sabedores de suas responsabilidades na promoção da diversidade em seus ambientes, bem como amadurecidos em seus papéis de uma operação eficiente e desenvolvimento de áreas ligadas à logística reversa, alguns negócios têm aumentado seus engajamentos na pauta ESG.
Sobre este cenário de mudança, dentro do qual ainda há um gap considerável entre os diferentes portes de empresa do país, nossa reportagem conversou com a Assessora Técnica da área na Fecomércio, Cristiane Cortez.
Na entrevista, ela falou sobre medidas práticas que não apenas podem ser adotadas com pouco investimento, mas que se revertem quase que instantaneamente em ganhos financeiros e de reputação para os negócios.
Acompanhe abaixo a íntegra do bate-papo:
NovoVarejo – Como você vê a importância da pauta do ESG para as empresas do setor de varejo?
Cristiane Cortez – Qualquer empresa precisa se preocupar com isso. Porque este desenvolvimento vem junto com o social e o meio ambiente. Porque como temos podido ver, as mudanças climáticas impactam o ambiente, que impacta as pessoas, que impactam a economia.
A gente verifica que uma empresa, seja de qual setor – indústria, comércio ou serviços – se ela não está preocupada com a pauta da sustentabilidade de uma forma que ainda possa gerar lucro para seus negócios, ela acaba não sobrevivendo no médio prazo.
NovoVarejo – Olhando por essa ótica de um ecossistema que se interliga no campo da sustentabilidade, é possível dizer que a atuação de um varejista neste campo também têm um impacto direto na sua relação com seus clientes?
Cristiane Cortez – Com certeza. Até porque as pessoas estão começando a ficar mais preocupadas com essas questões, prestando mais atenção nesses assuntos e já temos acesso a diversas pesquisas que apontam que os consumidores valorizam mais marcas que se preocupam mais tanto com as pautas ambientais quanto com as pautas sociais no âmbito da diversidade e da inclusão.
Nós entendemos que isso não é um modismo, que essa é uma postura que vem pra ficar e as empresas do varejo vão ter que se seguir se adaptando a isso – como já vêm fazendo.
NovoVarejo – Como o consumidor percebe este engajamento para além da ‘propaganda’. Pergunto isso, porque muito se tem dito sobre green money (dinheiro verde) – se referindo a negócios que querem passar uma imagem de sustentáveis ainda que não o sejam, na prática.
Cristiane Cortez – O consumidor está dando preferência para as empresas que estão mais sustentáveis na percepção dele. Então, as empresas que cuidam da questão do ESG e também comunicam este trabalho, acabam sendo mais aceitas.
Mas tem que tomar cuidado para não ser só aquela empresa que fala que faz, que tem uma fachada, mas que não é bem assim. É preciso fazer um trabalho real.
Para tanto, a empresa precisa abrir este diálogo não apenas com os consumidores, mas com os colaboradores. Que tenham, internamente, grupos de afinidade dentro dos quais os funcionários possam conversar sobre essas questões.
Isso não apenas confere transparência à política do negócio, mas também permite que a empresa possa apreender aquilo que o funcionário espera dela e possa fazer melhorias nesse sentido. Até porque, este funcionário irá, eventualmente, atender no balcão, um telefonema e etc – e o seu comportamento irá dizer bastante o que a empresa faz e não o que ela fala.
NovoVarejo – Separando os players por seus diferentes portes, existe alguma diferença na atuação das grandes, médias e pequenas empresas no campo do ESG ou todas estão caminhando mais ou menos no mesmo ritmo neste sentido?
Cristiane Cortez – Como sempre, as grandes empresas começam primeiro. A gente vê que elas já estão mais organizadas, têm metas de exclusão e já fizeram seus levantamentos internos para verificar essa questão – de funcionários negros em cargos de liderança, com mais de 50 anos, mulheres, aquilo que vem sendo chamado de grupo de subrepresentados.
O mais difícil é chegar nas médias e nas pequenas.
NovoVarejo – Como a Fecomércio tem trabalhado para diminuir esse gap?
Cristiane Cortez – Temos o Conselho de Sustentabilidade na Fecomércio e também temos um Comitê ESG. No primeiro, que existe há cerca de onze anos, sempre focamos mais nas questões ambientais como gestão de resíduos, logística reversa na qual o comércio participa do sistema de devolução de produtos pós-consumo a fim de que entrem em um percurso de reciclagem e economia circular.
O papel da Fecomércio é ajudar o pequeno e o médio empresário a dar seus primeiros passos, ainda que sejam em uma velocidade pequena. O importante é se engajar e ir fazendo pequenos passos.
Nós nos reunimos periodicamente com um grupo de empresas e atendemos nos nossos canais de ‘Fale conosco’ muitas perguntas, as quais – muitas vezes – trazem temas que a gente nem estava olhando.
As empresas, então, podem nos procurar para trazer as suas dúvidas. Muitas vezes elas nos perguntam ‘como começar se eu não tenho profissional especializado na empresa’. Nós então respondemos, oferecemos materiais como e-books, vídeos, fazemos laboratórios recebendo esses negócios. Enfim, trabalhamos dessas duas formas, tanto de uma maneira proativa e sob demanda.
NovoVarejo – Você falou anteriormente sobre ‘pequenos passos’. Pode exemplificar quais são alguns destes passos que um varejo – ainda que com pouca estrutura – pode dar na direção de uma operação mais sustentável?
Cristiane Cortez – Temos o Conselho de Sustentabilidade na Fecomércio e também temos um Comitê ESG. No primeiro, que existe há cerca de onze anos, sempre focamos mais nas questões ambientais como gestão de resíduos, logística reversa na qual o comércio participa do sistema de devolução de produtos pós-consumo a fim de que entrem em um percurso de reciclagem e economia circular.
Falamos muito também do uso racional de água, do aproveitamento de água que não é servida pela distribuidora como a água da chuva. Abordamos também a questão energética, melhoria de iluminação, refrigeração e climatização.
Nós falamos tanto deste último tema, aliás, que no último ano criamos um comitê específico para tratar a questão de energia porque, neste sentido, existem diversas pequenas atitudes que podem fazer toda a diferença – desde a escolha de uma lâmpada que consuma menos eletricidade até a verificação da iluminação para se certificar de que não estão sendo usadas lâmpadas a mais que o necessário.
Há também toda aquela questão da conscientização da equipe para que não deixem o refeitório aceso quando não há ninguém ali, o escritório a mesma coisa… Se o empresário levar isso com cuidado, ele vai ver que, além de contribuir para o meio ambiente, ele estará economizando bastante dinheiro na conta de energia.
Em resumo, o empresário pode fazer um checklist de movimentos simples e seguir por ele: primeiro vou checar minha água, depois vou checar minha energia, vou verificar os meus fornecedores, vou abrir uma vaga e ver se eu consigo atender algum público sub representado e daí em diante. É importante que isso seja uma constante para melhorar não só a empresa, mas toda a sociedade.