Neste artigo, os professores e coordenadores do FIA-LABFIN.PROVAR, Rogério Alexandre Gonçalves Sousa e Ivan Rizzo, este último também diretor vogal do IBEVAR, analisam dados sobre os efeitos financeiros da flexibilização da jornada de trabalho com a escala 6×1 no varejo
No cenário varejista brasileiro, com a presença expressiva de micro e pequenos comerciantes operando com equipes reduzidas, alterações na jornada de trabalho podem trazer repercussões significativas.
A discussão sobre a escala 6×1 no varejo – seis dias de trabalho seguidos por um dia de descanso – ganha relevância, especialmente diante de propostas que visam flexibilizar essa organização.
Apesar de bem-intencionadas, mudanças como a adoção de jornadas 5×2 ou 4×3 podem desencadear custos elevados e ameaçar a rentabilidade de operações já fragilizadas, exigindo equilíbrio e cautela no debate.
No coração do varejo brasileiro
Milhões de micro e pequenos comerciantes operam com estruturas enxutas, uma mudança aparentemente simples pode ter impactos econômicos significativos.
O debate sobre a escala 6×1 no varejo – seis dias de trabalho e um dia de descanso – vem ganhando espaço, especialmente em cenários onde a flexibilização ou alteração dessa jornada é discutida.
Para entender melhor os efeitos dessa mudança, tomamos como premissa um cenário hipotético: uma loja com apenas um funcionário contratado sob as regras da CLT, sem novas incidências de impostos sobre a folha de pagamento ou custos adicionais, como treinamentos e capacitações, premiações ou outras possíveis alterações que possam ser individualizadas.
Os demais custos da nossa loja hipotética se mantêm – cenário totalmente hipotético em plena reforma tributária. Não há mudanças significativas em outras despesas, como aluguel ou despesas administrativas.
Esse exercício revela números preocupantes e um impacto direto na rentabilidade das operações.
O que muda com a escala de trabalho 6×1 no varejo?
A escala 6×1, prevista na CLT, organiza a jornada semanal de trabalho em seis dias, garantindo um descanso semanal remunerado. Sob esse regime, o comerciante mantém os custos trabalhistas controlados, já que não há necessidade de horas extras para cobrir dias de descanso adicionais.
Quando se considera uma mudança para jornadas mais flexíveis, como 5×2 (cinco dias de trabalho e dois de descanso) ou 4×3 (quatro dias de trabalho e três de descanso), os custos de mão de obra aumentam consideravelmente, uma vez que será necessário compensar as horas não trabalhadas para manter a operação funcionando.
A situação se agrava em pequenos estabelecimentos, nos quais não há divisão de tarefas: um funcionário é responsável por todas as atividades – atendimento, vendas, organização, entre outras. De acordo com estimativas, o Brasil possui pelo menos 1,5 milhão de estabelecimentos nessa configuração.
Impacto da jornada 5×2: custos sobem 22%
Na simulação, um funcionário que recebe um salário de R$ 10,00 por hora tem um custo mensal diretamente proporcional à quantidade de horas trabalhadas. Ao adotar a jornada 5×2, o comerciante perde um dia de trabalho semanal. Para manter o funcionamento regular, as horas perdidas precisariam ser compensadas com o pagamento de horas extras.
Esse ajuste representaria um aumento de 22% nos custos de mão de obra. Mesmo mantendo todos os demais fatores constantes, como vendas e despesas fixas, a rentabilidade da loja sofreria uma queda de aproximadamente 7%.
Para pequenos comerciantes, especialmente aqueles com margens de lucro já apertadas, essa redução na rentabilidade pode inviabilizar a operação no médio prazo. A solução, nesse caso, poderia passar por reajustes de preços, o que impactaria diretamente o consumidor, ou cortes em outras áreas, como marketing e melhorias no ponto de venda.
Jornada 4×3: queda de 11% na rentabilidade
Se a escala adotada fosse ainda mais flexível, como a jornada 4×3 – quatro dias de trabalho e três de descanso –, os impactos seriam ainda mais severos. Nessa configuração, as horas não trabalhadas aumentariam significativamente, elevando os custos de mão de obra em 56%.
No cenário simulado, a rentabilidade da loja cairia 11%, um número alarmante para qualquer operação de pequeno porte. Uma loja com apenas um funcionário não possui a flexibilidade para redistribuir tarefas ou compensar a perda de produtividade com outros membros da equipe. Nesse caso, a solução seria absorver o aumento de custos – algo pouco viável – ou reduzir a qualidade do atendimento e do serviço prestado.
Pequenos negócios: o risco da inviabilidade
Diferentemente das grandes redes varejistas, onde o aumento de custos pode ser diluído entre várias unidades, os pequenos comerciantes não possuem essa margem de manobra. Um aumento de 22% ou 56% nos custos de mão de obra, dependendo da jornada adotada, pode ser suficiente para fechar as portas.
É importante lembrar que esses negócios representam uma parte significativa da economia nacional, especialmente no comércio. Muitos deles são gerenciados por microempreendedores individuais (MEIs), que, embora não sejam diretamente impactados por essas mudanças – já que o empreendedor é o próprio funcionário –, competem no mesmo mercado.
Para o consumidor, o impacto também será sentido: menos rentabilidade para os comerciantes significa preços mais altos ou serviços de menor qualidade. A roda da economia gira mais lentamente quando os pequenos negócios enfrentam dificuldades.
Conclusão: é preciso equilíbrio
O debate sobre a flexibilização da jornada de trabalho deve levar em consideração a realidade dos pequenos negócios. Embora mudanças na escala 6×1 no varejo possam oferecer mais qualidade de vida ao trabalhador, os custos adicionais associados colocam em risco a sustentabilidade financeira de micro e pequenas empresas.
Na prática, jornadas como 5×2 e 4×3, embora bem-intencionadas, precisam ser implementadas com cautela e equilíbrio, garantindo que não inviabilizem a operação dos estabelecimentos comerciais que sustentam boa parte da economia do país.
Ressaltando, que no exemplo, consideramos a empresa com apenas 1 funcionário e foram destacados os aspectos financeiros, porém, em caso de alterações na escala, para manutenção do negócio, seria necessária a contratação de ao menos mais 1 funcionário, fato que dobraria os custos já mencionados.
Para o pequeno comerciante, cada porcentagem de rentabilidade perdida é uma ameaça real. E, no varejo brasileiro, onde um funcionário muitas vezes faz toda a diferença, o impacto de mudanças aparentemente simples pode ser muito maior do que se imagina.