Em entrevista exclusiva, especialista afirma que imposto é crucial para a competitividade do varejo nacional como um todo, com destaque para o segmento de vestuário
Era para a votação da Câmara dos Deputados do último dia 11 deliberar sobre o do Projeto Mover, cujo objetivo principal é delimitar a nova política de mobilidade nacional na esteira do Rota 2020. No entanto, como não é raro no Brasil, arrumou-se um jeito de incluir no pacote a taxação das compras internacionais até US$ 50, conhecida como ‘Taxa das Blusinhas’. Resultado final: uma aprovação retumbante por 380 votos a 26 e o envio para a sanção presidencial.
A inclusão deste grande Jabuti teve como razão principal a pressão do varejo nacional em relação a uma suposta vantagem competitiva que a isenção dava a players internacionais como Shein e Shopee e o consequente enfraquecimento da indústria varejista nacional.
Para entender o que está em jogo a depender da assinatura ou não da caneta presidencial, é preciso, antes de tudo, observar quais – dentro desta categoria – têm sido os itens mais consumidos pelos brasileiros nos últimos anos.
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a liderança absoluta pertence ao segmento de vestuário, seguido de materiais para residência como tapetes e lâmpadas, desembocando, em menor grau, em bebidas não alcoólicas e brinquedos.
Quanto à origem dos produtos importados, a CNC confirma o que aqueles que acompanham o setor de varejo já sabem: a liderança isolada pertence à China, com mais da metade (51,8%) das importações. Na sequência do gigante asiático, aparecem nossos vizinhos Argentinos (6,2%) e Paraguaios (5,9%).
A fim de traçar um panorama geral sobre o que cerca essas importações voltadas majoritariamente às pessoas físicas, os chamados ‘consumidores finais’, conversamos com o diretor-executivo da Petina Soluções em Negócios Digitais, Rodrigo Garcia.
Na entrevista, o especialista da startup especializada em vendas online via marketplaces foi categórico ao dizer que o fim da isenção para produtos até US$ 50 não é apenas importante, mas é essencial para a competitividade do varejo brasileiro em seus mais diferentes níveis.
Confira a entrevista:
Novo Varejo – Como a taxação para compras do exterior de até US$ 50 impacta o varejo nacional?
Rodrigo Garcia – Certamente impacta, positivamente! A não tributação deixava o varejo nacional bem menos competitivo, pois a indústria brasileira já tem uma carga tributária muito alta e com essa tributação isenta de até US$ 50, automaticamente, o dinheiro que poderia ser gasto aqui, com empresas brasileiras, estava indo para o exterior, sem a devida tributação.
Novo Varejo – Muito se fala da concorrência desleal possibilitada por esse mecanismo. Você consegue detalhar como ela se dá? Quais fatores fazem com que os varejistas brasileiros não consigam praticar a mesma precificação desses concorrentes internacionais?
Rodrigo Garcia – A diferença está nas cargas tributárias, enquanto os produtos internacionais não pagam impostos, os varejistas pagam cerca de 80% a 90% de imposto. É impossível ter uma concorrência leal desta forma. Por exemplo, um produto vendido a R$ 100, vindo de fora, deveria custar pelo menos R$ 200 com os impostos e custos de importação. Então, é uma questão de igualdade, porque as empresas devidamente constituídas que fazem importação pagam imposto muito maior do que 20%.
Novo Varejo – Existe algum porte de varejo mais impactado do que outro por esse cenário? Me refiro aos grandes, pequenos, médios e microvarejistas…
Rodrigo Garcia – Não diria que o impacto seja por tamanho de empresa, mas por formato de venda. Nesse sentido, acredito que o maior impacto é para quem vende online e isso independe do porte da empresa, uma vez que temos empresas de todos os tamanhos vendendo em marketplaces. No final, acabam todas sendo impactadas.
Novo Varejo – E quando falamos de segmentação de produtos. Quais varejos são os mais impactados? Vestuário? Autopeças?
Rodrigo Garcia – Quando segmentamos por produto, aqueles que têm um ticket médio mais baixo acabam sendo mais impactados. Por exemplo, vestuários, eletrônicos, brinquedos, utilidades domésticas, etc.
Novo Varejo – Existe alguma outra saída viável, que não a taxação das compras até US$ 50, para equilibrar esse jogo de competitividade? Pergunto porque existe toda uma massa consumidora que não necessariamente pensa na ‘big picture’ da geração de empregos e da competitividade do país e se preocupa majoritariamente com o preço a ser pago em suas compras.
Rodrigo Garcia – O melhor cenário para as empresas nacionais seria realmente a taxação. Mas pensando nos consumidores, poderia existir alguma forma de registro e de limitação, como uma isenção de 2 compras por ano sem a taxação, por exemplo, ou então uma isenção de imposto somente para vendas online de produtos que tenham baixa oferta nacional. No entanto, qualquer alternativa para vendas no mercado interno, seria relacionado a alteração de carga tributária, algo bem distante da nossa realidade.
Novo Varejo – Após a aprovação no Congresso, qual o seu nível de otimismo quanto à retomada da taxação?
Rodrigo Garcia – Estamos otimistas que seja realmente aprovada, pois o Governo também tem uma queda na arrecadação com a ausência da tributação.
Novo Varejo – Suponhamos que esses impostos não retornem. Quais dicas você dá para o varejista que quer ser competitivo, mesmo sendo incapaz de igualar esses preços sem tornar sua margem inviável? Que práticas é possível adotar para ser relevante em outros campos?
Rodrigo Garcia – Quando se fala de taxação de impostos, é difícil visualizar alternativas em relação a equiparação de preços, mas é possível ser mais competitivo em termos de qualidade, facilidade de pagamentos, logística, política de trocas e tempo de entrega.
Novo Varejo – Por fim, gostaria que você – se possível – nos desse um panorama internacional, ao passo que este tema, o do ‘protecionismo’, tende a ser politizado e levado para o campo ideológico. Como as economias ditas ‘liberais’ tratam esses impostos de importação relacionados ao consumo?
Rodrigo Garcia – Normalmente, existe um acordo bilateral entre os países para conseguir manter essa isenção, que não é aplicado apenas para as vendas do varejo, engloba também o comércio geral entre os países. Mas trazendo para a nossa realidade, a carga tributária que temos é bem diferente da carga praticada nos USA, por exemplo. Quanto maior a carga tributária do país, mais desleal fica a competitividade.