Para Teresa Cristina Charotta, fazer a lição de casa é chamado urgente para o varejo diante de casos alarmantes como o das Lojas Americanas
Lucas Torres
O varejo brasileiro vive um momento singular em sua história recente. Com grandes players enfrentando crises de caixa e questionamentos quanto à idoneidade de suas administrações, o setor começa a ver prejuízos na sua relação com instituições financeiras e fabricantes na hora de adquirir créditos.
Dono de mais de 40 pesquisas relacionadas ao mercado varejista, o IBEVAR (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo) tem acompanhado este cenário de perto para oferecer dados e informações que preparem os gestores das empresas para lidar com os desafios do atual momento.
A fim de apreender um pouco desta percepção, bem como oferecer uma fotografia ampla do setor para os nossos leitores, conversamos com a Diretora Executiva do instituto – Teresa Cristina Charotta.
Durante a conversa, a executiva reforçou a necessidade de maior investimento em uma gestão orientada pelos dados, na capacitação dos colaboradores e em uma autorreflexão constante acerca dos pilares que sustentam um negócio – independentemente dos desafios conjunturais.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
Novo Varejo Automotivo – O que é e o que faz o Ibevar?
Teresa Cristina – O Ibevar é um instituto que congrega executivos do mercado de consumo e varejo em geral. Ele já existe há 13 anos, tendo nascido do ProVar – que é um programa de varejo que faz parte da FIA Business School.
Hoje o Ibevar atua em cima de pesquisas, divulgando para o mercado mais de 40 pesquisas que envolvem projeção de vendas, inadimplência, datas comemorativas e tendências.
Temos também o ranking Ibevar, com o qual a gente reconhece 29 categorias dentro dos segmentos do mercado representadas em três eixos: faturamento; eficiência; e imagem.
Neste último item, de imagem, usamos inteligência artificial para monitorar as redes sociais de maneira independente a fim de identificar os varejistas mais bem reconhecidos pelo seu cliente, verificando declarações espontâneas nas mídias sociais e outros fatores.
Novo Varejo Automotivo – Quantas empresas vocês monitoram neste ranking?
Teresa Cristina – Hoje monitoramos 120 empresas – que compõem em torno de 30% do faturamento do mercado varejista. Não monitoramos os demais 70%, pois eles ficam fragmentados em uma série de outras empresas com fatias bem pequenas.
NV – Estamos chegando ao último mês do primeiro trimestre do ano e, recentemente, o Ibevar divulgou uma pesquisa a respeito das perspectivas para o período. Transcorridos os dois primeiros meses, qual a sua visão sobre o desempenho do setor?
Teresa Cristina – Eu diria que o carnaval injetou bastante movimento no mercado varejista. A gente até chegou a publicar uma pesquisa sobre este evento, acreditando que ele vai dar um certo equilíbrio aos resultados do período.
Vale pontuar que o Brasil está iniciando o ano com um novo governo e enfrenta uma série de dificuldades. Estamos enfrentando situações climáticas que também afetam o mercado e o emocional das pessoas.
Mas o carnaval foi bastante positivo. Todas as capitais procuraram investir bastante, trazendo de volta este público para a rua, o que movimentou o mercado de passagens aéreas, hotéis, dentre outras – mexendo com a economia.
NV – Uma das notícias de impacto neste primeiro trimestre foi o que ocorreu com as Lojas Americanas. Foi descoberta uma dívida gigantesca: mais de R$ 40 bilhões. E, na medida que as informações vinham chegando à mídia, começaram a surgir especulações e informações acerca de outras redes importantes.
Neste cenário, você acredita que a situação das Americanas é isolada ou pode ter algum impacto setorial para o varejo como um todo – de repente criando algum aperto na questão contábil das empresas ou dificuldades de aquisição de crédito?
Teresa Cristina – O caso Americanas pegou todo mundo de surpresa. Afinal, a empresa ficou em 5º lugar no nosso ranking no âmbito do faturamento
Eu não acho que seja uma coisa isolada. A partir do momento que aconteceu isso com a Americanas e que passamos a ver grandes consultorias, empresas de alta reputação, assinando balanços que não foram fidedignos à realidade, todos passaram a fazer um pouco a lição de casa.
Eu acho que isso vai impactar muito no crédito para o varejo, pois os bancos vão recuar neste sentido ao ver que estão surgindo outros casos como o da Marisa e o da Livraria Cultura.
Então, a gestão e a sustentabilidade do negócio tem que acontecer independente se vai ter empréstimo do BNDES. Se o governo vai socorrer… O governo não socorreu empresas de outros setores. A Varig já morreu, a VASP já morreu – entre outras empresas. Não acredito que o governo vai assumir a responsabilidade de salvar um varejo.
Ah, mas vai gerar muito desemprego? Pode ser. Mas o mercado precisa cobrar disso de seus acionistas, de quem estava na direção destes negócios.
Vejo que o varejo precisa olhar para dentro de casa. Como está minha contabilidade? Como está minha geração de resultados? Será que está tudo certo? Será que tem alguma coisa que não está bem feita?
Cada um tem que fazer a sua lição de casa para não ter surpresas.
NV – A Americanas tem sido um exemplo importante de aperto na concessão de crédito por parte do setor financeiro, não é?
Teresa Cristina – Sim. Estava me fazendo esta pergunta esses dias: como vai ser a Páscoa sem as Americanas? Por falta de crédito, ela teve de comprar toda a parte de ovos de páscoa à vista, pagando R$ 13 milhões. Isso porque os fabricantes não vão mais correr esse risco, se não é ele quem quebra.
Existe toda uma cadeia que envolve embalagem, produção… Então, a crise das Americanas acaba impactando o mercado como um todo. Até no transporte.
Por tudo isso, acho que está todo mundo preocupado. As indústrias também vão frear a parte de crédito, talvez até cobrando mais na entrada – na hora do pedido. Porque realmente foi um impacto muito grande.
NV – O Ibevar realiza uma série de pesquisas, trazendo um grande número de informações para o setor. Na percepção de vocês, o varejo está preparado para interpretar este conteúdo e transformar sua gestão em uma gestão orientada por dados?
Teresa Cristina – Olha, eu acredito que não. O varejo ainda não trabalha com tantos dados. Ele fica muito pautado em cima do faturamento. Faltam pessoas que analisem dados e os transformem em estratégias.
Eu vejo que as grandes varejistas já têm esta preocupação. Agora, a média e a pequena cadeia ainda utiliza muito pouco. O que é uma pena, pois é acima destes dados que você pode fazer projeções de estoque, de produtos, de lançamentos, ver as tendências e etc.
O negócio hoje não pode mais ser baseado no feeling ou numa parte sensorial. Não dá para ‘apostar’, dizer ‘eu acho que é assim’. Dados e informações são muito importantes.
A inadimplência, por exemplo, não está diminuindo. Quando vejo na televisão que o Itaú está publicando mídia para fazer negociações, é que o ‘gato está subindo no telhado’.
Então, está na hora do varejo saber que precisa dessas informações sobre: inadimplência; projeção de vendas; projeção de compras; tendências das datas comemorativas. Tudo isso permitirá que as empresas montem seus planos comerciais, seu trade marketing, negociar com as indústrias e etc.
NV – Existe uma tecnologia que tem sido muito comentada: o ChatGPT. Só tem se falado nisso, nas últimas semanas. Vocês já conseguiram entender esta ferramenta para projetar seus possíveis impactos no mercado varejista?
Teresa Cristina – Eu vejo que primeiro tem que se aprender a lidar com a ferramenta. Talvez quem vai ter de ter muita preocupação é o Google, pois ele é um concorrente direto da plataforma.
Mas não podemos utilizá-lo para substituir nosso conhecimento e nossa inteligência. Para o Ibevar, que desenvolve pesquisas, ele não vai usar o ChatGPT. Vai continuar a contar com pesquisadores que utilizam dados fidedignos e etc.
Se formos por um caminho de substituição, estaremos subestimando a inteligência das pessoas. Uma coisa é você consultar informações. Outra é usar uma ferramenta que ‘faz tudo para você’.
Vamos ver como isso vai evoluir.
NV – Até que ponto o avanço da tecnologia de autoatendimento pode acabar prejudicando o próprio mercado consumidor? A gente vai substituindo os profissionais pela tecnologia, mas estes profissionais – sem trabalho – não conseguem consumir.
Vocês temem um exagero de automação e substituição da mão de obra humana que, lá na frente, possa minar o mercado consumidor?
Teresa Cristina – Eu diria que os grandes centros são muito mais aderentes a estas novas tecnologias. O autoserviço, o autoatendimento… Mas quando a gente entra para o interior do país, a gente vê que ainda estamos muito distantes de uma massificação neste sentido.
Eu vejo o Sudeste muito mais aderente do que outras regiões. O Brasil é muito grande, de modo que a gente não consegue chegar a todos os lugares da mesma forma. Basta ver que, em alguns casos, é preciso ir de barco ou depender de transporte aéreo para entregar mercadoria no Amazonas. Que a gente não tem ferrovias e etc.
Eu vejo que temos muita disparidade. Algumas grandes redes são mais aderentes a estas inovações e buscam o novo consumidor com as lojas inteligentes e autônomas. Mas isso é pontual.
Você não vê uma aderência como nos Estados Unidos, onde na grande maioria das lojas você tem o self checkout.
Aqui nós temos testes para ver se o consumidor adere àquela novidade. O brasileiro ainda gosta da fila. Quando ele vê o totem de autoatendimento, ele até fica com receio.
NV – Como você avalia o estágio em que se encontra o varejo brasileiro no tocante à qualidade da gestão e da mão de obra de atendimento?
Teresa Cristina – A partir deste ano, o Ibevar vai lançar oficinas voltadas ao varejo – justamente para que o setor possa capacitar seus colaboradores.
Se eu tenho uma loja que trata bem, o meu consumidor tende a voltar. O brasileiro é muito emocional, ele gosta de ser bem atendido – de ser chamado pelo nome.
O varejo precisa aprender a colocar o cliente no centro do seu negócio. Essa centralidade é muito importante para ter fidelidade, retenção, frequência e sequência daquele consumidor na loja dele. Tem que entender que precisa investir neste funcionário!
O varejo tende a esperar a indústria, pensando que ela tem que subsidiar essas capacitações e deixa de ver que ele também é um provedor.
Por isso, muitas vezes ele acaba tendo uma mão de obra mal qualificada e pouco preparada para atender um cliente.
Então, quando você vê o mercado de luxo – que tem pessoas formadas em universidade, falando inglês e etc. Porque tem de atender um cliente muito exigente.
Isso é necessário também nas lojas que atendem as classes C, D e E. Pois se eu tratar bem este consumidor, sendo transparente naquele relacionamento, eu vou fidelizar. É preciso entender a necessidade do seu cliente.