Diretor da Friedman, Luiz Guilherme Baldacci explica como a ideia do humanológico se aplica na prática das empresas
Lucas Torres
Realizado entre os dias 13 e 15 de setembro, na cidade de São Paulo (SP), o evento ‘Latam Retail Show’ reuniu alguns dos principais players do varejo no país para analisar o atual cenário e apresentar conceitos que têm guiado a estratégia das empresas do setor em todo o mundo. Entre as diversas novidades apresentadas na ocasião, o conceito de ‘varejo humanológico’ chamou a atenção por representar uma espécie de síntese daquilo que o varejo se tornou após as transformações promovidas pela pandemia da covid-19.
Diretor de Desenvolvimento de Negócios na Friedman, Luiz Guilherme Baldacci tem desenvolvido o tema desde o ano de 2020 e foi o responsável por apresentá-lo ao público durante o evento. Segundo o especialista de uma das principais consultorias de treinamento do país, o conceito surgido na NRF – National Retail Federation de 2020, em Nova York, ganhou ainda mais robustez diante da mistura composta pelo aumento da relevância das relações humanas e do acelerado avanço tecnológico observado durante a crise sanitária mundial.
“Chegamos à conclusão de que o setor de consumo tem, sim, de ser ‘humanológico’. Pois não dá mais para você só ter a tecnologia, já que o consumidor exige o contato emocional. Ao mesmo tempo, também não dá para abrir mão da contribuição da tecnologia no campo da eficiência, da informação e do conhecimento necessário para a tomada de decisão”, analisou Baldacci. Em entrevista exclusiva ao Novo Varejo, o executivo expandiu suas reflexões e apontou alguns dos principais impactos da era ‘humanológica’ nas empresas dos diferentes portes, e mais diversos segmentos, do varejo nacional.
Novo Varejo – De onde surgiu o termo ‘varejo humanológico’? No que ele consiste?
Luiz Guilherme Baldacci – Este conceito do ‘varejo humanológico’ foi concebido durante a NRF de 2020. Lá, nós fomos com uma delegação e as palestras mostraram uma tendência de humanização do varejo em um ambiente totalmente tecnológico no qual estavam sendo muito discutidas as questões de utilização dos meios digitais para conseguir eficiência operacional. Então, o que ficou bastante latente naquele evento é que precisava haver um equilíbrio sobre a humanização e a digitalização do mercado. Em resumo, o ‘varejo humanológico’ se refere a um varejo que incorpora cada vez mais a tecnologia, mas que enxerga um valor enorme e compreende que o fator humano é o principal recurso da experiência de consumo no setor.
NV – Se o conceito foi concebido em 2020, por qual razão vocês o apresentaram apenas neste ano, durante a Latam Retail Show?
LGB – Lançamos agora porque, quando chegou a pandemia, nós já não sabíamos mais como o setor se comportaria. A gente só sabia que a transformação digital estava avançando de uma maneira muito veloz. Quando, então, a pandemia arrefeceu, pudemos ver que as lojas físicas não perderam o espaço delas, já que o ser humano continuou sendo valorizado e, na verdade, até mais valorizado do que era antes da covid-19. Então, agora, de fato chegamos à conclusão de que o setor de consumo tem, sim, de ser ‘humanológico’. Pois não dá mais para você só ter a tecnologia, já que o consumidor exige o contato emocional. Ao mesmo tempo, também não dá para abrir mão da contribuição da tecnologia no campo da eficiência, da informação e do conhecimento necessário para a tomada de decisão.
NV – Já que este é um conceito que incide sob o varejo global, podemos dizer que, sob o ponto de vista humano, a característica brasileira de proximidade nas relações interpessoais nos coloca em vantagem na perna humana deste conceito?
LGB – De fato, os países latinos têm uma cultura mais envolvente, mais voltada ao contato humano. Então, nestes países, sobretudo no Brasil, temos uma grande força propiciada pelo ser humano, componente que sempre foi e sempre será, em qualquer parte do mundo, o alavancador da emoção. No entanto, temos uma defasagem no uso da tecnologia dentro do dia a dia das lojas para aumentar a capacidade de se relacionar a longo prazo com o consumidor. Por exemplo, quando você decide comprar em um site de compras, a inteligência artificial consegue mapear tudo o que você faz: o que você gosta, seus cliques, seu tempo de permanência… Tanto é que depois você acaba recebendo uma série de anúncios sobre aqueles produtos que observou. Já no varejo físico, onde temos a vantagem do contato humano, existe uma grande lacuna na captação de dados sobre o consumidor que está no ponto de vendas visando relacionamentos futuros. Hoje, temos um problema que consiste no fato de os profissionais que atuam nas lojas terem o costume de dizer que é difícil cadastrar o cliente e que este não quer fornecer os dados etc. Mas isso não é bem uma verdade. Isso é uma crença limitante. Se você fala para os clientes que quer utilizar os dados para manter contato, muitos deles gostam. Depende da forma como você aborda e o propósito pelo qual você se propõe a manter este relacionamento. Falamos muito de engajamento com a marca, mas quando o consumidor vai até o ponto de venda físico muitos têm esta lacuna e nem registram que o cliente esteve por lá. Perde-se, então, a oportunidade de potencializar essa conexão emocional e humana traduzindo-a em dados e em relacionamento duradouro.
NV – Treinar a equipe de vendas para atuar, simultaneamente, nos ambientes físico e digital faz parte desta transição rumo à ‘humanologia’?
LGB – O uso de canais digitais de atendimento nos quais você coloca uma pessoa para operar é, sim, um item ‘humanológico’. Você está, de fato, integrando os canais digitais de comunicação com o consumidor tendo ali a ‘alma humana’ em tempo real. No entanto, temos um problema que é o fato de as pessoas ainda não estarem preparadas para fazer um atendimento humanizado nestes canais. Então, as coisas ficam um tanto quanto mecânicas. Você tem mensagens prontas, o que faz parecer até existir um bot ali interagindo. Perde-se, assim, o lado humano. Ao mesmo tempo, temos um problema nacional que é a baixa qualificação. Muitos profissionais não sabem escrever de forma correta ou até mesmo ter uma linguagem de aproximação online que cause impacto positivo, situação que acaba tornando esta hibridização do vendedor um ‘tiro no pé’. Portanto, é necessário, sim, treinamento e capacitação.
NV – Quando falamos de varejo, estamos nos referindo a um setor amplo, composto por diversos segmentos diversos. Sendo assim, a aplicação do conceito de ‘humanologia’ tem uma importância diferente em alguns na comparação com outros?
LGB – Os varejos que envolvem mais emoção, aqueles em que você precisa oferecer uma experiência memorável para encantar o consumidor a fim de impulsioná-lo à compra, são aqueles em que esta característica pesa mais. Porque quando você, como consumidor, vai a um varejo, por exemplo, de autopeças, quase sempre vai comprar um produto que você já decidiu que precisa para o carro. Se trata, então, de uma venda mais técnica. Desta maneira, você não precisa tanto da emoção, desta referência humana te encantando. Obviamente, se você tiver uma loja de autopeças em que há um ambiente extremamente agradável onde o vendedor é também uma pessoa preocupada em se conectar, este ponto de venda vai largar na frente em relação à concorrência. Afinal, todo cliente gosta disso. Já quando nos referimos ao uso da tecnologia, penso que este elemento é igual para todos. Afinal, a necessidade de ganhar eficiência, capturar dados, treinar as pessoas com recursos digitais está presente em todos os segmentos porque dinamiza as empresas.
NV – Quando falamos de automação, existe alguma área ou segmento que pode usá-la de maneira mais, digamos, ‘livre’, sem a necessária presença de um humano acompanhando o processo?
LGB – Eu diria para você que, quando a gente fala de varejo digital, ou seja, as mais variadas formas de e-commerce, você sempre vai ter uma abertura maior para usar a inteligência artificial. Porque estes canais praticamente obrigam o consumidor a colocar seus dados para avançar na navegação.
Neste contexto, os dados são exatamente o combustível que a inteligência artificial precisa para funcionar de uma maneira eficiente. Dados e humanização, porém, conversam entre si e se retroalimentam. No varejo físico, você sempre vai precisar ter uma equipe qualificada para se preocupar em estabelecer uma comunicação que deixe o cliente à vontade para fornecer seus dados e, a partir daí, alimentar a inteligência artificial de modo que esta funcione de maneira paralela. No varejo ‘humanológico’, a automação alimenta o humano e vice-versa.
NV – Este cenário em que o atendimento é guiado por dados e informações, permitindo à equipe de atendimento realizar uma abordagem mais personalizada – ainda que não conheça, de fato, o cliente –, pode minimizar uma das maiores vantagens competitivas dos pequenos negócios em relação aos grandes?
LGB – O grande varejo tem maior potencial de investimento em tecnologia e também em treinamento. Hoje, o pequeno empreendedor ainda tem a vantagem de conhecer o bairro e as pessoas do bairro. Mas, daqui a pouco, vários concorrentes poderão ter este acesso a partir da tecnologia. É uma leitura que faz sentido. Mas eu diria o seguinte: essa questão do ‘humanológico’ independe do tamanho e do porte do negócio – todos terão de aderir o conceito.