Este artigo de David Douek, diretor vogal do IBEVAR, mostra o que o brigadeiro e o celular têm a ver com inovação e sustentabilidade
O brigadeiro, tradicional doce brasileiro, é o resultado da mistura de leite condensado, chocolate e manteiga, mescla esta polvilhada com chocolate granulado. Apreciado por muitos, indispensável em aniversários infantis no Brasil, sua receita permanece quase inalterada desde a sua criação.
Discretas “inovações incrementais”, conceito este definido no Manual de Oslo, povoaram o universo desta iguaria, sendo a substituição do granulado por pequenos flocos de chocolate, uma delas.
Com mais de meio século de história, o brigadeiro não demandou muitas mudanças para continuar agradando a uma sequência de gerações felizes por degustá-lo.
Com um passado não tão extenso, a habilidade de agradar por um longo período de tempo não está dentre as principais virtudes de outro produto não comestível, qual seja o celular.
Os modelos de aparelhos para telefonia móvel lançados no Brasil em 1990 tornaram-se rapidamente obsoletos, assim como aconteceu em outros países do mundo. Os atuais telefones inteligentes ou smartphones, em muito pouco se parecem com os nem tão antigos irmãos mais velhos.
Os discrepantes exemplos ilustram algo que o leitor provavelmente já sabe: diferentes produtos possuem diferentes ciclos de vida, sendo este o período que engloba o desenvolvimento, a introdução, o crescimento, a maturidade e o declínio. Entretanto, inserida em tal contexto há questão que merece ser objeto de atenção.
Velocidade de inovação
Se o brigadeiro é um bom exemplo de produto com ciclo de vida mais longo, não pode se dizer o mesmo dos aparelhos celulares. Estes, lançados com regularidade quase anual, tornam seus antecessores menos desejados, tendo muitos de seus atributos de atratibilidade mantidos em função de estratégias de precificação.
O que este artigo se propõe a trazer à luz é a relação entre a velocidade de inovação e os aspectos de governança ambiental, social e corporativa, o ESG.
Poderia se pressupor que quanto mais curto for o ciclo de vida de um produto, maior seria o impacto em ESG devido à necessidade de descartar mais rapidamente aqueles agora considerados obsoletos.
Se isso em parte é verdade, por outro lado, equipamentos mais modernos têm a possibilidade de serem mais eficientes e, consequentemente, utilizarem-se de menos energia, de materiais menos nocivos ao meio-ambiente e recorrerem a matérias primas mais facilmente reutilizáveis ou recicláveis, por exemplo.
Para avaliar o impacto que cada inovação gera sobre os aspectos de ESG, uma das possibilidades seria a de comparar, pressupondo-se a generosa disponibilidade de dados, indicadores e métricas adequadas, o cenário provável com e sem a introdução da mencionada inovação.
Quantificação de variáveis
Guardadas as devidas restrições, a quantificação de variáveis como o consumo de energia, de água e de materiais, tanto na produção do bem quanto com a utilização dos equipamentos, poderia fornecer as informações necessárias a uma ponderada tomada de decisão sobre a melhor estratégia de introdução de uma inovação, a qual, sabiamente, levaria em conta os referidos aspectos de impacto ambiental, social e corporativo.
Ao que tudo indica, o trabalho acima proposto faria mais sentido em indústrias em que o ciclo de vida de produtos é mais curto e que, portanto, a obsolescência dos produtos consumidos é mais evidente.
No entanto, em setores nos quais o ciclo de vida de produtos é mais longo, se o descarte rápido das mercadorias não é necessariamente uma verdade, por outro lado, concentrar os esforços em melhoria contínua nos procedimentos de fabricação parece um bom exemplo de oportunidades de inovação em processos.
Consequentemente, a longevidade mais ampla de um produto não significa que este não demande uma mente inovadora, predisposta a introduzir mudanças capazes de catalizar sustentabilidade e bom desempenho.
Processo de obsolescência
A esta altura do texto, o varejista pode indagar-se sobre o seu papel nesta cadeia de inovação para a promoção do ESG.
Antes de discutir esse ponto, é válido considerar que o varejo em muito depende da demanda pelos produtos criados pela indústria e, se essa acelera o processo de obsolescência de um produto por meio do lançamentos de outros mais novos, a priori, o varejista não têm muita escolha a não ser disponibilizar estes bens de forma a capturar a demanda por eles existente.
Assim, parece razoável inferir que, ainda que o varejista possa atuar para reduzir sua pegada ambiental, social e corporativa, agindo sobre elementos que normalmente domina, tais como os pontos de venda, galpões de armazenagem e a logística de abastecimento e entrega dos bens consumidos, não há como se pensar em incremento de ESG na cadeia de consumo sem envolver a indústria e as estratégias de promoção de produtos por ela criada.
Não obstante, o varejo, por sua proximidade com o público e capacidade de formação de opinião, pode desempenhar papel de referência na construção de um mundo melhor. O caminho certamente passa por atuar sobre os fatores que estão sob o seu controle e alinhar objetivos e práticas com os demais stakeholders.