Economista da FecomercioSP, Guilherme Dietze reflete sobre o atual cenário do ambiente de negócios para o varejo local
Lucas Torres
Mudança de governo, novas diretrizes econômicas e um componente adicional de instabilidade sócio institucional. Questões como estas têm se juntado às dificuldades cotidianas de se administrar um negócio varejista no Brasil.
Como reflexo deste ambiente desafiador, os empresários locais expressaram suas desconfianças e, ao fim de 2022, impulsionaram a maior queda do Índice de Confiança Empresarial (FGV) desde o ano de 2015.
Um cenário que, a um primeiro olhar, se desenha apocalíptico, no entanto, ganha formas menos pessimistas quando analisados de uma maneira menos apaixonada por especialistas habituados a analisar os movimentos reais do mercado.
Em entrevista exclusiva à nossa reportagem, o analista da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FecomercioSP) – Guilherme Dietze, se baseou no arrefecimento da inflação e no aumento da geração de empregos do país para projetar um desempenho positivo para o varejo ao longo de 2023.
De acordo com o especialista, porém, embora a expectativa seja por um aumento generalizado nas vendas do setor, alguns segmentos devem mostrar melhoras mais acentuadas do que outros, em um movimento que ele classificou como ‘assimétrico’.
“Acredito que os segmentos básicos e ‘semi básicos’, digamos assim, composto por grupos como vestuário, alimentação e farmácias tendem a ter um crescimento mais forte no ano que vem. Em contrapartida, os setores de eletrodomésticos, eletrônicos e materiais de construção, que demandam mais crédito, podem vir a ter um cenário positivo, porém, com variações bem modestas”, analisou.
Ainda segundo Dietze, as expectativas positivas podem ainda ser ainda mais acentuadas – a depender da política de juros adotada pelo Banco Central nos próximos meses. Isso porque, para ele, o barateamento do crédito deve ser um elemento chave no controle da inadimplência das famílias e no destravamento do consumo de segmentos ligados a bens duráveis.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Novo Varejo – O Brasil passa por um momento de transição que tem levantado dúvidas tanto na classe empresarial quanto na população como um todo. Como você tem visto o atual cenário e de que maneira ele tem impacto suas expectativas para o varejo ao longo de 2023?
Guilherme Dietze – A nossa expectativa é positiva. Pensamos que a tendência é termos um cenário mais estável a partir deste ano. É claro que muitas coisas podem acontecer – como aconteceu, no último ano, com o surgimento de uma guerra que ninguém esperava.
Excluindo estes fatos inesperados, porém, penso que este tende a ser um ano de recuperação em relação aos últimos anos, quando convivemos com fechamento da economia motivado pela covid-19 e, como mencionei, uma guerra que trouxe pressão significativa para os preços de combustíveis e alimentação.
Novo Varejo – Além de uma maior previsibilidade em relação aos períodos de anomalia com os quais convivemos nos últimos anos, o que te dá a confiança para dizer que a expectativa para 2023 é positiva?
Guilherme Dietze – Alguns fatores que me trazem essa percepção de que o cenário deste ano tende a ser mais favorável neste ano são, sobretudo, o arrefecimento da inflação e uma recuperação na capacidade de gerar emprego, seja ele formal ou informal.
Eu diria que a inflação já está mostrando, em números, que está desacelerando, o que traz um certo alívio para o bolso do consumidor. Tivemos uma inflação próxima dos 10% em 2021, de 5,79% em 2022 e este ano deve girar entre 4 e 5%, trazendo os preços mais para baixo.
O mercado de trabalho aquecido (em novembro, o Brasil chegou à marca de 11 meses seguidos de geração de empregos, com 43.144.732 postos de trabalho com carteira assinada, o maior índice da série histórica) traz benefícios como aumento do poder de compra, melhora na renda e aumento da confiança.
Novo Varejo – Dentre todos estes fatores positivos, existe algum ponto que te traz preocupações e que pode prejudicar a performance do varejo ao longo do ano?
Guilherme Dietze – O que mais me tem preocupado é o fato do crédito ainda estar muito caro, por conta da taxa de juros acima dos 13%. Caso este cenário se mantenha, isso me leva a crer que teremos uma assimetria em relação ao desempenho do varejo.
Neste ambiente, acredito que os segmentos básicos e ‘semi básicos’, digamos assim, composto por grupos como vestuário, alimentação e farmácias tendem a ter um crescimento mais forte no ano que vem.
Em contrapartida, os setores de eletrodomésticos, eletrônicos e materiais de construção, que demandam mais crédito, podem vir a ter um cenário positivo, porém, com variações bem modestas.
Em resumo, a tendência do varejo para esse ano é de aumento de vendas em relação a 2022, com assimetria entre os setores. Tudo isso pontuando que a variação do preço do crédito será essencial para o desenvolvimento deste cenário.
Se tivermos uma redução da taxa de juros ainda no 1º semestre, a expectativa é por resultados ainda melhores para o varejo.
Novo Varejo – Falando em termos numéricos, o que você define como uma variação considerada modesta para o ano de 2023?
Guilherme Dietze – Antes de responder esta pergunta, é importante pontuar que, a partir de agora, a nossa base de comparação se dará no âmbito dos ‘anos normais’. Ou seja, teremos uma observação diferente do que tivemos no passado recente, quando comparávamos os dados com anos de pandemia e identificávamos uma variação de 30% a 50% – cenário que foi seguido de um salto dos juros, que produziu uma série de retratos de variações negativas, mas que não necessariamente eram negativas com uma leitura mais distanciada.
A partir de 2023, começaremos a ter uma base de comparação mais ajustada, em um cenário de maior normalidade. Então, será natural observarmos variações mais modestas de 2 a 3%, no lugar do que a gente vinha observando desde 2020. Digo isso para pontuar que um crescimento nesta casa de até 4% não será ruim daqui para frente.
Novo Varejo – Nas últimas semanas, o novo governo confirmou a manutenção do auxílio de R$ 600,00 para as famílias que se enquadrarem nos critérios do Bolsa Família. Como você projeta o impacto desta ação, sobretudo o fato dela poder ser vista agora como algo de caráter ‘permanente’ e não apenas ‘emergencial’?
Guilherme Dietze – A análise desta questão depende muito da magnitude esperada como impacto. Evidentemente os R$ 600,00 são muito importantes para o varejo, sobretudo os setores mais essenciais como supermercados e farmácias – alguns consumidores até conseguem gastar um pouquinho a mais em financiamentos de produtos como geladeira e fogão, algo bem nessa linha do necessário, já que estamos falando de um grupo de famílias com renda bem mais baixa.
Dito isso, penso que o que a gente precisa é de um ambiente mais favorável composto pela maior geração de empregos, pela diminuição da inflação e pela redução dos juros. São esses os pontos que darão a sustentação para o retorno ao consumo de uma maneira mais consistente e sustentável de longo prazo, eles são fundamentais para a economia.
O auxílio ameniza, mas não é o essencial. Não é o que vai mudar o cenário, por exemplo, da inadimplência. Até mesmo porque, quando a gente olha o cenário das famílias de baixa renda, nós observamos que existe um problema crônico. Elas vão se endividando, deixam de pagar uma conta, depois pagam a conta em atraso, voltam a se endividar… As condições macroeconômicas que citei têm dificultado e são elas que vão fazer a diferença na melhora do consumo no país.
Novo Varejo – O Brasil tem convivido com uma de suas taxas mais altas de endividamento, alcançando uma parcela de 78,9% das famílias no último levantamento divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Pior do que o endividamento em si, as famílias inadimplentes – ou seja, com dívidas em atraso, chegaram a uma parcela de 30,3%.
O quanto este cenário pode ser desafiador para o varejo ao longo do ano?
Guilherme Dietze – Vejo que estamos no início de uma redução do cenário de inadimplência. Digo isso fazendo um parêntese de que o aumento do endividamento não necessariamente é ruim. Isso porque se você tem uma expansão de crédito, é saudável que as famílias consigam comprar um televisor ou até um carro ou uma casa usando o crédito. A economia, aliás, precisa disso.
Com a inflação desacelerando e os níveis de emprego subindo, o que a gente precisa, de fato, é de redução de juros. A questão é que o Banco Central tem se mostrado muito cauteloso. A princípio, a expectativa era por uma diminuição entre os meses de maio e julho. No entanto, ainda há incertezas e isso pode ser adiado para o fim do ano ou até para 2024.