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    Reforma Tributária no Varejo: redefinindo estratégias para uma nova era fiscal

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    Em artigo, o diretor executivo da Peers, Admar Corrêa Neto, fala sobre os desafios e propõe abordagens para a adaptação dos varejistas à nova realidade fiscal do país

    A transição para um novo sistema tributário no Brasil representa um dos maiores desafios e, simultaneamente, uma das mais significativas oportunidades para o setor de varejo. A unificação de tributos como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS em um modelo de não cumulatividade plena e cobrança no destino altera fundamentalmente a dinâmica de custos, a precificação e a competitividade. 

    Para as empresas do varejo, compreender as nuances dessa transformação não é apenas uma questão de conformidade, mas um imperativo estratégico para garantir a sustentabilidade e o crescimento no novo cenário.

    Admar Corrêa Neto é diretor executivo da Peers

    Segmentação Setorial: O Impacto Assimétrico da Nova Carga Tributária

    A premissa de que a Reforma Tributária impactará o varejo de forma homogênea é um equívoco perigoso. A carga tributária final, e por consequência a margem de lucro, variará drasticamente conforme o segmento de atuação da empresa. A análise detalhada revela um mapa complexo de vencedores e perdedores na fase inicial de adaptação.

    • Supermercados e Atacarejos: Este segmento tende a ser um dos mais beneficiados. A criação da nova Cesta Básica Nacional, com alíquota zero, e a incidência de uma alíquota reduzida (desconto de 60% sobre a alíquota padrão) para uma vasta gama de alimentos, bebidas e produtos de higiene pessoal, resultará em uma diminuição da carga tributária direta sobre o preço final desses itens. Mais importante, a não cumulatividade plena permitirá que esses varejistas creditem 100% do imposto pago em todas as suas despesas operacionais, como energia elétrica, aluguel, serviços de marketing e logística, um benefício inatingível no sistema atual, que limitava o crédito de PIS/COFINS.
    • Varejo de Vestuário, Calçados e Bens de Consumo Geral: Players deste setor enfrentarão, provavelmente, um aumento na carga tributária efetiva. Atualmente, muitos se beneficiam de regimes de ICMS específicos e de uma carga de PIS/COFINS que, na prática, é inferior à alíquota padrão projetada para o IVA (estimada em torno de 26,5%). Embora a tomada de créditos seja ampla, o aumento da alíquota nominal sobre o preço de venda exigirá uma revisão profunda das estratégias de precificação e margem.
    • Varejo de Eletrônicos e Eletrodomésticos: O fim do IPI é uma variável importante, mas que pode ser neutralizada pela alta alíquota do IVA. Para muitos produtos, a soma dos impostos atuais será inferior à nova alíquota única. A competitividade dependerá da capacidade de otimizar a cadeia de suprimentos e da eficiência na gestão de créditos tributários gerados por fornecedores e prestadores de serviço.
    • Farmácias e Drogarias: O cenário é misto. Medicamentos terão regimes diferenciados, com muitos deles se enquadrando na alíquota reduzida ou até mesmo em regimes específicos, como os dispositivos médicos. A implementação do cashback para a população de baixa renda terá um impacto direto nas vendas, podendo funcionar como um mecanismo de estímulo ao consumo para este público específico.
    • Setor de Serviços (incluindo alimentação em restaurantes e lanchonetes): Este é, potencialmente, o segmento mais desafiador. Empresas de serviços, historicamente tributadas pelo ISS em alíquotas que variam de 2% a 5%, enfrentarão um salto para a alíquota padrão do IVA. A transição representa um choque de custos que demandará uma reengenharia completa do modelo de negócio, com forte pressão sobre as margens e o repasse de preços ao consumidor.

    Reengenharia de Produtos: A Adaptação para Otimização Fiscal

    A nova estrutura de alíquotas incentivará um movimento estratégico que vai além da simples conformidade: a reengenharia de produtos e portfólios. As empresas não serão passivas; elas atuarão para enquadrar seus produtos nas categorias de menor tributação, uma prática que pode redesenhar gôndolas e catálogos.

    • Reformulação para Enquadramento em Alíquotas Reduzidas: A fronteira entre um produto com alíquota padrão e outro com alíquota reduzida se tornará um campo de batalha para a inovação. Por exemplo, uma bebida industrializada que hoje é classificada como néctar (alta concentração de açúcar) poderá ser reformulada para aumentar o percentual de polpa de fruta, visando um enquadramento como “suco natural” e, assim, se beneficiar de uma tributação menor. O mesmo ocorrerá com alimentos processados, que podem ter suas receitas ajustadas para incluir ingredientes que os qualifiquem para um regime mais benéfico.
    • O Impacto do Imposto Seletivo (IS): O “imposto do pecado”, que incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (como cigarros, bebidas alcoólicas e ultraprocessados com alto teor de açúcar), será um poderoso catalisador de mudanças. Empresas buscarão ativamente reduzir ou substituir os componentes que ativam a incidência do IS. Podemos esperar o lançamento de versões “light” de diversos produtos, não apenas como uma resposta a tendências de consumo saudável, mas como uma estratégia fiscal deliberada para evitar a sobretaxa. Isso pode levar à descontinuação de itens cuja produção se torne inviável.
    • Revisão de Portfólio e Estratégias de “Combo”: Varejistas precisarão analisar seu mix de produtos sob a ótica tributária. Itens com margens apertadas e que sofrerão aumento de carga podem ser descontinuados ou ter sua exposição reduzida. Em contrapartida, estratégias de venda de “combos” ou “kits”, que unem produtos de alta tributação com itens de alíquota zero ou reduzida, podem ser utilizadas para diluir a percepção do imposto no preço final e tornar a oferta mais atrativa ao consumidor.

    Alavancas Estratégicas para Mitigação e Competitividade

    Diante dos impactos inevitáveis, a sobrevivência e o destaque no novo ambiente fiscal dependerão de uma postura proativa. As empresas que se anteciparem e transformarem desafios em oportunidades sairão fortalecidas. Neste contexto, as seguintes alavancas estratégicas são cruciais:

    • Otimização da Cadeia Logística e de Suprimentos: Com o fim da “guerra fiscal” entre estados, os incentivos de ICMS para a localização de Centros de Distribuição (CDs) perdem o sentido. A decisão de onde situar um CD passará a ser puramente logística e estratégica, baseada na proximidade dos mercados consumidores e na eficiência da malha de transporte. Empresas que hoje mantêm operações complexas para aproveitar benefícios fiscais em estados específicos terão a oportunidade de redesenhar sua pegada logística, reduzindo custos e prazos de entrega.
    • Investimento em Tecnologia e Sistemas de Gestão (ERP): O cálculo do IVA, com sua lógica de débito e crédito em todas as etapas, exige sistemas robustos e integrados. Os ERPs atuais precisarão de atualizações ou de substituição para gerenciar a não cumulatividade plena, garantir o compliance fiscal e automatizar o complexo processo de apuração. Investir em tecnologia agora não é um custo, mas uma condição para operar eficientemente e evitar passivos fiscais.
    • Planejamento Tributário e Revisão de Contratos: É fundamental iniciar imediatamente um diagnóstico completo do portfólio de produtos e serviços para simular o impacto da nova alíquota padrão e das alíquotas reduzidas. Adicionalmente, todos os contratos com fornecedores e prestadores de serviço devem ser revisados para garantir que o repasse de créditos tributários seja transparente e correto, pois a eficiência na tomada de créditos será um diferencial competitivo direto.
    • Novas Estratégias de Precificação e Relacionamento com o Cliente: O repasse de preços será inevitável em muitos segmentos. A comunicação com o consumidor deve ser transparente, explicando as mudanças. Para mitigar a percepção negativa, o varejo deve intensificar o uso de programas de fidelidade, cashback e outras ferramentas de CRM. O mecanismo de cashback do próprio governo para a baixa renda pode ser integrado às estratégias da empresa, criando uma vantagem competitiva ao atender esse público.

    Em conclusão, a Reforma Tributária é mais do que uma mudança de alíquotas; é um novo paradigma operacional. As empresas do varejo que a encararem como uma reestruturação estratégica, otimizando sua logística, tecnologia, portfólio e precificação, não apenas mitigarão os riscos, mas também descobrirão caminhos para uma operação mais enxuta, eficiente e competitiva no mercado brasileiro.

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