Entre os pontos destacados pelo especialista do Sebrae, Davi Jerônimo, está a maior aderência da comunicação dos varejos regionais com os consumidores de suas localidades
Por Lucas Torres
Um dos setores mais competitivos do mercado, o varejo coloca frente a frente diferentes modelos de negócio. Dentro deste contexto, as empresas regionais seguem mantendo seu espaço, mesmo diante da ofensiva de gigantes com capilaridade nacional e, em alguns casos, global.
Para entender um pouco sobre os diferenciais dos varejos regionais e as barreiras de entrada que eles colocam para concorrentes que, muitas vezes, possuem um maior poder de investimento, entrevistamos o consultor de negócios do Sebrae-SP, Davi Jerônimo.
Na conversa, ele destaca vantagens dos varejistas regionais como maior capacidade de adaptação às demandas locais, mais flexibilidade operacional e uma assertividade comunicacional mais aderente à identidade dos consumidores locais.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
NovoVarejo – Na sua visão, quais são os principais diferenciais dos varejos regionais no Brasil em comparação com as ‘grandes redes generalistas’?
Davi Jerônimo – As principais diferenças dos varejos regionais no Brasil em comparação com as grandes redes generalistas, é que elas estão mais próximas dos clientes e estão mais adaptação ao mercado local, com mais flexibilidade operacional, tendo em vista área a territorial a ser coberta pela logística no Brasil.
Esses diferenciais também incluem a adaptação do mix de produtos às necessidades e demandas locais, como um atendimento mais próximo e personalizado e uma comunicação alinhada às características culturais da região.
Apesar disso, as grandes redes generalistas também têm buscado estratégias de regionalização, como ajustes no sortimento de produtos e personalização da comunicação, para se aproximar dos consumidores locais. Nesse contexto, o sucesso do varejo regional depende da capacidade de manter seus diferenciais de proximidade, identidade e flexibilidade, enquanto se adaptam as mudanças do mercado e as novas demandas dos consumidores.
NovoVarejo – De que forma fatores culturais e identitários de cada região influenciam o posicionamento das lojas, desde o sortimento até a comunicação?
Davi Jerônimo – No Brasil, a diversidade cultural, econômica e social impõe desafios significativos ao posicionamento das lojas varejistas.
Fatores culturais e identitários de cada região influenciam diretamente o mix de produtos, preços e a comunicação, exigindo que varejo se adapte e crie estratégias para atender as demandas locais sem perder a identidade da marca. Os Varejistas devem refletir sobre sua gestão de produtos, definir a estratégia da empresa focando em seu público-alvo, o comportamento do consumidor e as necessidades específicas de cada mercado.
Produtos relevantes em uma região podem não ter aceitação em outra, preços e formatos de loja precisam ser ajustados ao poder aquisitivo local e as campanhas de comunicação devem incorporar linguagem, influenciadores e referências culturais regionais. Além disso, a distância entre matriz e sucursais aumenta a complexidade logística e de gestão, exigindo equilíbrio entre padronização e autonomia das filiais. A expansão nacional bem-sucedida depende da capacidade de adaptar sortimento, preços e comunicação as especificidades regionais, enquanto se mantém a coerência da marca, utilizando pesquisas de mercado, parcerias locais e otimização operacional como ferramentas estratégicas.
NovoVarejo – As redes de atuação nacional e/ou global têm respondido essas necessidades a partir de estratégias regionalizadas? Se sim, como elas conseguem equilibrar esse expediente à necessidade de manter suas identidades?
Davi Jerônimo – As redes de varejo de atuação no Brasil e global têm respondido as necessidades regionais no Brasil por meio de estratégias de regionalização, procurando conciliar a diversidade local com a manutenção da identidade de marca. Para isso, elas ajustam o seu portifólio de produtos, o mais sortido possível, sempre observado os hábitos de consumo e as preferências culturais de cada região, incluindo itens típicos locais ao mesmo tempo em que mantêm produtos padrões que reforçam a identidade da rede. Além disso, adaptam o formato e o tamanho das lojas as características do mercado local, adotando hipermercados em grandes centros urbanos e unidades menores em cidades do interior ou regiões menos densamente povoadas. As campanhas de marketing também são segmentadas, utilizando linguagem, datas comemorativas e influenciadores locais, de modo a gerar proximidade com o consumidor sem comprometer os elementos centrais da marca, como nome, cores e experiência de compra.
Para suportar essas adaptações, as redes operam centros de distribuição regionais que permitem maior agilidade logística e ajuste de estoques conforme a demanda local. O equilíbrio entre identidade corporativa e regionalização é mantido pela identidade da marca, autonomia controlada das filiais, uso de análise de dados com informações regionais para decisões estratégicas e treinamento que garante que os valores e padrões da empresa sejam respeitados em todas as unidades. Cada loja consegue atender as demandas específicas de sua região, sem perder a coerência e a força da marca nacional ou global.
NovoVarejo – Quais são os segmentos do varejo nos quais essa regionalização se mostra mais importante? Nas autopeças, por exemplo, isso se apresenta?
Davi Jerônimo – Os varejos regionais assumem papel estratégico nos segmentos em que a demanda apresenta elevada variabilidade geográfica e técnica. No setor de supermercados e alimentos, diferenças culturais e climáticas impactam diretamente o planejamento de sortimento, dimensionamento de estoques e logística de distribuição, exigindo ajustes nos volumes, mix de produtos e embalagens em função da sazonalidade e do poder aquisitivo de cada região.
No varejo de moda, a diversificação climática e de perfil do consumidor requer adaptação na alocação de mercadorias e no fluxo de reposição, garantindo disponibilidade adequada de produtos sazonais em cada ponto de venda.
Segmentos como farmácias e cosméticos demandam flexibilidade logística para atender as variações regionais de consumo e faixa de preço, mantendo eficiência na reposição e nos níveis de serviço.
No setor de materiais de construção, a regionalização impacta diretamente o planejamento de abastecimento, considerando a infraestrutura local, tipos de obras predominantes e capacidade de fornecedores regionais.
No caso de autopeças, a necessidade de atendimento rápido e preciso torna a regionalização crítica: diferentes regiões possuem perfis distintos de frota, padrões de utilização e condições rodoviárias que influenciam a demanda por peças e serviços especializados. Centros de distribuição regionais e fornecedores locais são utilizados para otimizar lead times, reduzir custos logísticos e garantir níveis de serviço consistentes. Em suma, quanto maior a variabilidade técnica e geográfica da demanda, mais relevante se torna a regionalização logística, permitindo as redes varejistas estruturar operações eficientes, flexíveis e alinhadas as necessidades específicas de cada região do Brasil.
NovoVarejo– É possível reproduzir esses diferenciais de regionalização no âmbito do comércio digital ou o e-commerce acaba ‘igualando o jogo’
Davi Jerônimo – Segundo a Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), no comércio digital, alguns diferenciais da regionalização podem ser mantidos, mas outras vantagens tendem a se nivelar. O e-commerce atinge consumidores de diferentes regiões de forma padronizada, o que reduz a percepção de proximidade e identidade local. No entanto, por meio de geolocalização, segmentação de público e personalização de ofertas e promoções, é possível ajustar preços, produtos e campanhas conforme a região. O uso de centros de distribuição regionais reduz lead times e replica parte da eficiência logística do varejo físico. A comunicação digital também pode ser adaptada a públicos locais, usando linguagem e referências culturais específicas. Assim, embora o e-commerce diminua algumas vantagens dos varejos regionais físicos, estratégias de logística, dados e marketing segmentado permitem manter diferenciais regionais em sortimento, preços e experiência do cliente.
NovoVarejo- Agora, vamos explorar o movimento contrário. O que deve guiar a estratégia de um varejista de sucesso em sua região que deseja expandir sua atuação para o âmbito nacional? Como saber quando é o ‘momento certo’?
Davi Jerônimo – Para os varejos regionais que desejam expandir sua atuação para o âmbito nacional, a estratégia deve ser guiada por uma combinação de consolidação local, capacidade operacional (logística), entendimento de mercado e gestão de riscos. Inicialmente, é fundamental que a empresa domine sua região de origem, apresentando sólidos resultados financeiros, fidelização de clientes, eficiência logística e processos internos bem estruturados. Esse domínio local serve como base para replicar modelos de sucesso em novas regiões.
A expansão nacional exige atenção a diferenças culturais, hábitos de consumo e infraestrutura logística. O varejista deve mapear mercados potenciais, identificar regiões com demanda compatível ao seu modelo de negócio e ajustar mix, comunicação e serviços para atender as características locais, sem perder a identidade da marca. Também é essencial avaliar a capacidade de supply chain, com centros de distribuição estratégicos que suportem a nova escala, e garantir recursos financeiros e tecnológicos para sustentar a operação ampliada.
O “momento certo” para a expansão é definido quando a empresa apresenta estabilidade e maturidade operacional na sua região, possui marca reconhecida e processos replicáveis, entender os custos e riscos de entrada em novos mercados e identifica oportunidades claras de crescimento fora de seu território. Sinais adicionais incluem saturação do mercado local, demanda reprimida em outras regiões e disponibilidade de capital ou parceiros estratégicos para suportar o crescimento.
A expansão nacional bem-sucedida depende de base regional sólida, parcerias, capacidade de adaptação a novas realidades regionais e preparo logístico e financeiro, e deve ser realizada quando há evidências concretas de que o modelo local pode ser replicado com eficiência e consistência em outras regiões do país.