Em artigo, o Head de Marketing do E-Commerce Brasil, Felipe Attílio, fala o hábito da instantaneidade trazido pelo Pix criou um cenário permanente de urgência no e-commerce
Em novembro de 2020, o Pix entrou no cotidiano brasileiro não apenas como um meio de pagamento, mas como um marco cultural. Desde então, mais de 160 milhões de pessoas já aderiram ao sistema, e, apenas em 2024, foram registradas mais de R$ 3,3 bilhões de transações por mês, segundo o Banco Central. No varejo digital, o impacto foi imediato: abandono de carrinho caiu até 30% em alguns segmentos, e o ciclo de conversão encurtou como nunca antes. O Pix criou uma expectativa coletiva: tudo deve acontecer agora. Mas nesse cenário onde o tempo é o novo luxo, surge uma pergunta incômoda: o que ainda vale esperar?

Estamos vivendo a era do “real time by default”. Entregas em até 2 horas, respostas automatizadas em milésimos de segundo, geração de conteúdo com IA generativa em tempo real. A demanda por instantaneidade não é mais uma tendência, é uma estrutura mental. E essa mudança de mentalidade impõe a urgência no e-commerce brasileiro e, com ela, um desafio: como ser rápido sem perder profundidade? Como entregar tudo imediatamente, sem esvaziar a experiência?
A neurociência explica parte desse fenômeno. Nosso cérebro é programado para buscar gratificação imediata, e o ambiente digital atual foi desenhado para isso. O “tap to buy”, o “arraste para cima”, o “copie o cupom agora”: tudo nos condiciona a agir sem pausa. O problema é que essa lógica, quando levada ao extremo, infantiliza o consumo e empobrece a estratégia. O cliente começa a esperar urgência a qualquer custo. E o mercado, ao obedecer sem questionar, passa a confundir velocidade com valor.
Muitos consumidores valorizam a experiência tanto quanto o produto. Mas também costumam abandonar marcas que demoram para responder ou entregar. A tensão é clara: queremos conexões profundas, mas não temos tempo para cultivá-las.
No e-commerce, isso se traduz em paradoxos operacionais. Enquanto investimos em automação, dark stores e fulfillment ultrarrápido, deixamos de lado estratégias de encantamento, branding, storytelling e construção de comunidade.
O tempo como diferencial competitivo
Talvez o verdadeiro luxo da nova era digital não seja a entrega imediata, mas a capacidade de criar experiências que valem a espera. Veja o caso da Shein e da Temu: ambas apostam em longas janelas de entrega, mas compensam com variedade de produtos, gamificação e percepção de custo-benefício. O consumidor aceita esperar quando entende o valor do que está por vir.
No Brasil, marcas vêm se destacando ao oferecer experiências que equilibram agilidade com narrativa. Não é sobre desacelerar artificialmente, mas sobre saber onde faz sentido aplicar a urgência e onde a espera constrói desejo, expectativa e engajamento.
Pós-Pix, pós-paciência?
Se o Pix simboliza a transação instantânea, o que simboliza a construção de marca? No curto prazo, ser rápido é essencial. Mas no longo, é a capacidade de fazer o cliente esperar por algo, e ainda assim desejar, que define uma marca relevante.
Isso não significa abandonar a eficiência, mas resgatar a intencionalidade. Não é sobre resistir à urgência no e-commerce e à demanda por tudo em tempo real, mas sobre dar tempo ao que importa: um onboarding bem feito, um atendimento empático, uma entrega que surpreende, um conteúdo que educa.